Clarissa Borges
Artista, professora e mãe. Iniciou sua carreira em Brasília, onde cursou Bacharelado em Artes Visuais(1995-1999) e Mestrado em Artes (2000-2002) na UnB. Em 2019, já em Uberlândia, terminou o Doutorado em História Social na UFU, onde é professora efetiva do curso de Artes Visuais, e membro do NEGUEM (Núcleo de Estudos de Gênero). Como artista trabalha principalmente com fotografia e vídeo e realiza exposições desde 1997. Participou de várias exposições coletivas no Brasil, destacam-se as mostras “Deslocamentos do Eu (1976-2001)” de curadoria de Tadeu Chiarelli em 2001; e exposição “Manobras Radicais” de curadoria Paulo Henkenhoff e Heloisa Buarque de Hollanda em 2006. Internacionalmente participou de algumas exposições coletivas, como: “Con Otros Ojos” de curadoria de Fernando Castro em Buenos Aires (2007), e a Mostra competitiva Bianual da Birth Rites Collection, em King´s College, Londres (2018). Realizou quatro exposições individuais, a última delas em 2022, “Armadilhas: maternagem e arte”, na Galeria Lourdes Saraiva em Uberlândia-MG.

Hiding (trap) , 2020/2021
Durante os primeiros seis meses da pandemia de Covid no Brasil não tive tempo, nem energia, para ser criativa. Eu estava trabalhando na Universidade remotamente, mas minha sensação era de vazio. Tudo o que eu estava fazendo parecia não ter valor. Quase tudo que comecei a fazer, achando que era temporário, virou obrigação. Carregar os laptops das crianças, ativar os dispositivos eletrônicos para aulas remotas, corrigir todos os problemas de internet/microfone/câmera/alto-falantes, planejar e/ou fazer refeições, acompanhar as aulas/tarefas/dever de casa e imprimir centenas de tarefas escolares toda semana. A maternidade se tornou um lugar para eu me esconder do meu trabalho formal, mas às vezes era uma armadilha. Esses sentimentos ambíguos me fizeram pensar em uma possível fuga: fazer arte em casa com meus filhos. Estávamos isolados, mas a casa recebeu muitas invasões virtuais: escola, aulas de dança, aulas de teatro, aulas de inglês, trabalho, ginástica e reuniões. Alguns dias eu queria me esconder, sumir, mas alguns dias era bom tê-los me distraindo da pandemia ou da política brasileira.
Em outubro de 2020 me inscrevi na Residência Artística na Maternidade proposta por Lenka Clayton. Eu precisava transformar minha experiência em arte, me sentir produtiva, ser vista e fazer algo valioso. Eu queria me reconectar com meu eu artístico. Todo o trabalho de maternagem feitos em casa e para as crianças é invisível. Durante a pandemia esses afazeres aumentaram muito, mas não podíamos e não queríamos largar nossos empregos. Então, às vezes, a casa parecia uma armadilha, e às vezes parecia um lugar seguro. A família pode ser boa para brincar, mas também difícil de conviver 24 horas por dia.
Estar na residência artística e fazer obras de arte me fez ter um proposito. Comecei a encontrar lugares em casa para tirar fotos, aproveitando as atividades e brincadeiras virtuais das crianças. A série de fotos “Escondido (armadilha)” Hiding trap, destaca diferentes características da maternidade vivenciada por muitas mães em casa: a ansiedade de estar em casa, o tempo divertido e lúdico com os filhos, a esperança de sair em segurança e o esgotamento da rotina. A maternidade pode ser tanto um lugar para se esconder quanto uma armadilha. O corpo da mãe é visto em lugares estranhos em casa, às vezes é difícil encontrá-lo. O espectador é pego em um divertido jogo de esconde-esconde enquanto olha para essas imagens.
Parto e êxtase, 2016
Depois de parir duas crianças (Oto-2011, Ivo-2012), e ainda envolta nas questões maternais, comecei a pesquisar artistas que tivessem tratado do parto em suas produções. Em meio a obras de arte bastante críticas sobre a maternidade, resolvi me aventurar nos partos de outras mulheres e a partir destes registros pensar minha produção artística. É assim que nasce a série fotográfica: “Parto e Êxtase” (2016). A imagem fotográfica é usada como instrumento de poder e convencimento. Sua proximidade com as imagens da realidade faz com que um fragmento enquadrado e congelado do real ocupe o lugar da experiência e tome o status de verdade. Pois se é assim, uso aqui esta estratégia para assinalar algo possível, que foi cuidadosamente esquecido pela repressão sexual feminina, o prazer no parto. Êxtase e entrega de um corpo que sente dor e prazer intercalados em cada contração.