Liana Nigri
Utilizando a escultura como mídia principal e também desenho, fotografia, vídeo e ‘formações’, Liana Nigri chama a atenção para a presença do corpo da mulher, uma observação íntima de marcas que evidenciam traços de tempo, experiências, contatos ou traumas. Encontrando voz dentro do espaço vazio de dobras da pele.
Natural e baseada no Rio de Janeiro, Liana participa de residências artísticas periódicas, como Awasi nas cataratas de Iguaçu Argentina, LabVerde na Amazônia , 'From the Laboratory to the Studio' em Nova Iorque, 'In Context' na Romênia, Terra Una na Serra da Mantiqueira e Despina no Rio de Janeiro.
Em 2009 se formou no ‘MA Textile Futures’ na Central Saint Martins em Londres, e recentemente no mestrado ‘Estudos Contemporâneos das Artes’, pela UFF, onde investigou o conceito ‘Gestos De Contato: Corpo-Matéria’.
Sua arte se faz no gesto, na gestação de formas que nascem através do corpo.
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Expansão de Contornos
Um corpo transicional que germina um novo ser e um novo eu. A expansão de contornos que dá espaço à formação da vida, um corpo abrigo compartilhado. Nove meses vividos em quase total isolamento social pandêmico, e o amadurecimento do fato abstrato de se saber grávida à concretude de ver a barriga crescer, sentir os movimentos do bebê, mudar o centro de gravidade do corpo e viver sob novas elasticidades.
Pensar-se grávida é pensar-se como sujeito social ativo: se todo corpo é político, o que dizer de um corpo que carrega outro corpo? Projeções, deveres e obrigações que ultrapassam o ser individual/coletivo a ponto de interditá-lo, tornando-o quase santificado, objeto de devoção e dominação. Mas então onde está o ser desejante e pulsante que existe neste corpo passageiro? O erótico permeia todos os poros dessa mulher, nas suas glandulas hormonais, na sua pele viçosa, no olfato hiper sensível, em seu apetite voraz. Decifra-me ou te devoro.
Com o avançar da gravidez, a mulher começa a virar bicho e o cérebro primitivo sobrepõe-se ao neocórtex fazendo as sensações e o instinto vibrarem mais fortes que a lógica. O corpo tudo sabe e tudo sente e, ao deixar a razão de lado, abre-se um novo campo – território fértil e livre onde estes novos contornos, agora voluptuosos, lançam-se num abismo desconhecido de percepções cruzadas e sentidos distorcidos.
Os meses de vida da minha filha viraram ano, e surge nela a curiosidade pelo nosso corpo, que agora é a brincadeira da vez. O entendimento de si separada de mim, no qual o umbigo se torna o ponto de contato central de uma nova ligação.
Caminho junto aos seus primeiros passos, que aconteceram sem que ela percebesse. Cada conquista é tão árdua, mas uma vez que se dá, parece que ela sempre soube. Ávida por novidades: texturas, sons, movimentos, sabores e experiências.
Eterno Retorno
“Metade da minha semana eu era a mãe e a outra metade a artista. Mas, pensei comigo mesma, 'isso é ridículo, eu sou uma” - Mierle Laderman Ukeles
A excitação do reencontro pele-barro encontra um certo temor por não saber se será possível operar numa dupla entrega, obra e bebê, profissional e mãe, arte e vida. De início, o contato entre o corpo e a terra se apresenta rígido, ambos estão frios e parados há muito tempo.
Aos poucos a paralisia é quebrada pela ação de apertar e enrolar e, nesse movimento contínuo, os dois corpos se conectam, aquecem e amaciam a relação.
Uma liga é então criada, e com ela uma longa linha de argila circunda o corpo. Começa próxima e vai se afastando do centro, reverberando sua silhueta, dando a sensação que o limite é infinito. Este corpo, que era um, depois dois, e agora ainda não se sabe quantos, começa a ganhar um novo centro.